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domingo, 7 de agosto de 2011

Entrevista sobre Fim do Vestibular e Acesso Livre

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Entrevista realizada com um militante da Rede Estudantil Classista e Combativa - RECC, estudante de pedagogia da Universidade de Brasília - UnB, a respeito do Fim do Vestibular e a defesa do Acesso Livre no Ensino Superior Público. As perguntas foram elaboradas pelos estudantes secundaristas da cidade de Anápolis/GO, Gabriel Henrique, Matheus Manzatto e Arédio Pires; Toda a entrevista segue na íntegra.

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Qual seria o novo método de admissão nas Faculdades Públicas Brasileiras?

R: Historicamente, em nosso país, já tivemos diversas formas de admissão para o ensino superior, como entrevistas, prova de títulos (certificado do ensino médio), sorteios. Assim como em outros países há uma noção variada de ingresso, apesar de a maioria hoje seguir um modelo massificado e conteudista de exames classificatórios padronizados. A luta do movimento estudantil é pela universalização do ensino superior público, que significa todos que concluíram ensino médio e quiserem cursar ensino superior terem livre acesso. Logo, não achamos que o método de admissão tenha caráter excludente, de funil. Mas não negamos que as instituições realizem formas de avaliação não-punitivas de caráter contínuo que visem compreender as dificuldades e necessidades, da mesma forma talentos e facilidades, dos estudantes ingressos, até com forma de orientação acadêmica. Na argentina se utiliza um método semelhante. Mas, importante ressaltar que essa é uma questão secundária: método de admissão só se faz uma necessidade quando 1) não se há vagas para todos que querem estudar, 2) as instituições não podem sanar as dificuldades educacionais provindas de outros níveis que prejudiquem o aprendizado no ensino superior, 3) o diploma de ensino médio não tem significado real de aprendizagem, pois é de má qualidade. O programa que visa o fim do vestibular é uma luta muito mais ampla de reformulação do sistema de ensino que existe em nosso país, com ampliação significativa de verba, expropriação dos empresários educacionais etc.


Como ficaria a situação das instituições particulares de ensino superior com o fim do exame vestibular?

R: A universalização do ensino superior brasileiro público só será possível com a estatização das instituições e matrículas do setor privado, pondo um fim na mercantilização da educação que enche o bolso de grupos empresariais. Atualmente mais de 70% das matrículas do ensino superior são realizadas nesse setor, que é atualmente bancado e fomentado pelo Estado/governo petista, a partir de programas neoliberais como o PROUNI, e pelas exorbitantes mensalidades. É um setor tão lucrativo para o Capital que se sobra vagas hoje no ensino superior privado. A educação deve ser um direito garantido pelo Estado, para todos que querem estudar.


Seria um incentivo a mais à dedicação desde o ensino fundamental, o novo método de seleção feita pelas faculdades, método o qual o senhor nos apresenta?

R: Atualmente o sistema de ensino sofre uma esquizofrenia: seus currículos e diretrizes educativas são diretamente influenciados não pelas necessidades dos educando, mas diretamente pelos exames classificatórios. Só ver como as modificações do atual ENEM modificam a dinâmica e currículo das escolas e cursinhos. O objetivo final não é a aprendizagem do conteúdo em si, mas sua aplicabilidade num exame para passar para outro nível, sendo o conteúdo e forma desse exame arbitrário que não necessariamente avaliam nem mensuram seu desenvolvimento acadêmico futuro. A educação básica e média seriam radicalmente alteradas com o fim do vestibular.


Visto que, como na pergunta anterior, o método de avaliação seria desde o Ensino Fundamental quando ele seria posto em prática, pois muitos estudantes hoje só se preocupam com o Ensino Médio e tem um péssimo histórico escolar?

R: Como dito, a luta pelo fim do vestibular perpassa por outras pautas: ampliação significativa de verba, valorização da docência (salário, condições de trabalho etc.), modificação curricular e administrativa. A preocupação do ensino não seria cortar custos, que muitas vezes significam alunos com dificuldades de progredir nos níveis de ensino, mas sim garantir a continuidade dos estudos com qualidade enquanto garantia de todos. Para as gerações que não passaram por essas transformações, é dever do poder público garantir o acesso e permanência no ensino superior público, com assistência estudantil, orientação acadêmica, modificações curriculares, que efetivem a aprendizagem e compense as desvantagens anteriores. Vale ressaltar que as formas avaliativas não são neutras: é um discurso ideológico afirmar que um histórico escolar ou exame nas formas atuais mensure a capacidade e desempenho intelectual de um aluno e aponte impossibilidade de continuidade dos estudos. O sistema avaliativo hoje serve, sobretudo, como mecanismo de hierarquização e homogeneização dos níveis de ensino, dada suas funções ideológicas no capitalismo.


Sendo o vestibular um recurso que foi posto a prova durante longos anos de sua existência sendo uma fonte eficiente e confiável de avaliação, que gera a impessoalidade da prova e da correção, coadunada com a existência apenas de raros casos de suspeita de fraudes, normalmente acompanhados de cancelamento de prova (Unicamp, 1997; UFAC, 2005), como o novo método poderá passar confiança à população que o utilizará?

R: Vários estudos demonstram desconfiança sobre a "eficiência" do exame vestibular: as notas alcançadas nesses exames não tem relação direta com o desempenho acadêmico futuro. O vestibular é uma forma histórica e tem um caráter político, de classe; uma avaliação arbitrária que exclui os filhos do povo e legitima a dominação das classes dominantes. Não é uma questão meramente técnica como desesperadamente as universidades tentam nos provar. A farsa da impessoalidade ou da racionalidade em suas formas de correção (uso de computadores de alta tecnologia) como forma justa, é denunciada como ideológica a partir do momento que, ao tratar cinicamente todos em pé de igualdade, desconhece as desigualdades e injustiças anteriores, favorece os favorecidos, a elite econômica e cultural que teve acesso às melhores escolas, e exclui os filhos do povo. O discurso "meritocrático e democrático" que defende o vestibular é um discurso burguês e deve ser radicalmente rejeitado pelos trabalhadores e seus filhos, já que são estes os maiores prejudicados. A justiça e impessoalidade serão garantidas não com mais vigilância nos exames, mas sim com um sistema de educação público e universal de qualidade que não reproduza e legitime as desigualdades culturais e econômicas, uma educação para o povo.


Quem faria a fiscalização desse novo método visto que instituições do governo, como o Inep, que fiscalizam o ENEM tiveram denúncias de fraude nos anos de 2009 e uma bagunça generalizada em 2010?

R: Defendemos vagas para quem quer estudar, e como dito anteriormente, o método de admissão só é um problema quando não há vagas para todos. Vale ressaltar, que não é dever do movimento estudantil apresentar projetos técnicos ao Estado que demonstrem o funcionamento do que reivindicamos. Sendo uma questão política, de correlação de forças, o poder público deverá garantir a efetividade das pautas que os estudantes reivindicam, para isso possui seus técnicos, especialistas e burocratas ditos úteis. PS: não é o INEP que fiscaliza os exames nacionais, e no caso do ENEM foi uma empresa privada, através de terceirização de serviço que vez a prova "vazar".


Todo programa ou projeto, mesmo que confiável, tem seus erros e acertos. Gostaria de saber quais são as vantagens e desvantagens do sistema de avaliação que você defende em relação ao vestibular.

R: Não defendemos um programa nos "mínimos detalhes", defendemos uma pauta política, geral e histórico do ME. Achamos que esse deve ser construído pelos estudantes e trabalhadores da educação coletiva e democraticamente. Atualmente somos um movimento minoritário, sendo as organizações hemegônicas sindicais e estudantis governistas que não colocam na pauta do dia o acesso livre, mas sim a defesa cínica dos programas neoliberais do governo. A construção mais efetiva e nacional do programa só virá a partir da luta e do crescimento dos setores classistas e anti-governistas em todo o país, e avaliada continuamente pelos setores envolvidos. Historicamente, tivemos um ensaio disso na era revolucionária da UNE, como podemos ver em sua revista de 1968: "Negamos a universidade arcaica e a universidade modernizada segundo os moldes do imperialismo. Negamos uma universidade que forma arquitetos para construir residências de luxo e não as milhares de casas populares de que se necessita, médicos para o asfalto quando milhões de brasileiros morrem de gripe ou diarréia no interior e nos subúrbios operários, sociólogos para domesticar os trabalhadores e não para planejar o desenvolvimento (...). Não podemos precisar os detalhes mas uma coisa é certa: a Universidade deve servir ao desenvolvimento das forças produtivas e às necessidades da maioria trabalhadora do nosso povo. Não só deve ser aberta a todos como ainda os elementos por ela formados devem poder ser úteis à coletividade." É claro que haverá pontos negativos e positivos, mas a pergunta mais precisa é: para quem/qual classe? Para a burguesia e para o Capital será prejudicial, pois perderá seu controle ideológico, para o povo extremamente vantajoso. Os intelectuais e especialistas burgueses ou reacionários, assombrados, acusam o risco de massificação e perda da qualidade: afirmamos que o modelo massificado a estilo industrial ocorre nas reformas burguesas para o mercado, que significa falta qualidade para a maioria que serão os futuros explorados, e que, a chamada "perda de qualidade" é na verdade o início do fim da divisão social do trabalho, que se expressa mais fortemente na divisão do trabalho intelectual e manual, sobre a qual se assenta a dominação e a propriedade capitalista.


O vestibular é um método antigo e eficiente que se mantém trivial na sociedade atual, portanto está ‘’enraizado’’ na cultura do povo brasileiro, como o novo método de avaliação poderá ser aceito? E qual o tempo previsto para que ele seja posto em pratica, pois estamos lidando com uma mudança cultural? Como o governo está preparado para arcar com esse ato?

R: O vestibular não é um método antigo: sua atual forma vem sendo utilizadas há somente 40 anos em média. A exploração e opressão são enraizadas "culturalmente" na sociedade de classes, por isso não devemos lutar contras elas? Os homens fazem a história, para isso é necessário que se organizem, que lutem, que disputem, sendo um processo transformador. A principal arma contra a ideologia meritocrática, hoje "aceita" pelo povo, que encaminha nossa sociedade para uma tecnocracia capitalista, é a organização e consciência da classe trabalhadora. Isto só pode ser alcançado através do crescimento da luta de classes. O tempo depende da correlação de forças e da força do movimento estudantil, popular e sindical de impor suas demandas para as classes dominantes. Um governo de classe nunca está preparado para atender as demandas de suas classes inimigas, a não ser que se veja forçado a atendê-las por apresentar um risco de hegemonia.


Concluindo este questionário, qual é o meio que o senhor utiliza para a propagação de sua ideia e como pretende fazer com que ela seja discernida pelos integrantes da câmara?

R: Não utilizamos "meios individuais" nem parlamentares/legais, mas sim coletivos e de classe, através de organizações, entidades e coletivos do movimento estudantil principalmente, além da articulação com o movimento sindicai, popular e organizações políticas anti-reformistas. Na prática, a partir da propaganda/agitação/campanhas que disputem a consciência da classe e da construção das lutas que acumulem para a pauta do acesso livre. Os únicos meios viáveis para tal pauta que na atual conjuntura enfrenta frontalmente as classes dominantes e o Estado burguês é através da luta e organização direta dos estudantes e trabalhadores.



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